
Sinto o teu olhar pelo espelho retrovisor. A forma como as sobrancelhas arqueiam e revelas o
sorriso secreto com um movimento de pestanas. O balançar da mão pequena na janela aberta
numa tentativa de apanhar o vento ou fazer parte dele, a indiferença ao trânsito estúpido de
Lisboa, as portas destrancadas porque sabes que pessoas como tu são intocáveis. Tens na
boca um doce que te colora a língua com um vermelho vivo e irreal, como se fosses sangue.
Fazes um movimento corporal sincronizado com a música que não consigo ouvir. Gosto de
pensar que danças em silêncio, que fechas as pálpebras porque te comoves sempre que
apaixonas um estranho. Que os pés estão descalços e acariciam os pedais, dedos delicados
que se esfregam enquanto procuram a ranhura áspera do plástico. Sigo a linha do pescoço,
imagino as costas nuas, todos os sinais e pequenas imperfeições, o arrepio que sentes pelo
passar dos dedos no umbigo perfurado, pêlos que se levantam e o teu suster de respiração para
congelares o momento. Num bafo quente e profundo e pesado, os pulmões libertam desejo. As
limitações metálicas do carro, o abraço cortante do cinto de segurança, avisam-me que nunca te
terei. São precauções contra a desilusão. Atendes o telemóvel e aprendo mais. Sei agora que
cerras os olhos sempre que algo te preocupa, imaginas que os problemas se resolvem quando
os olhas de frente, a intimidação do castanho avelã. Gostas de estar rodeada por pessoas num
exercício mental de alienação que te motiva, o uso de respostas automáticas universais, a
certeza que todos querem ouvir o mesmo. Choras em filmes, quando lês um poema do Yeats e
se estás feliz. Os teus momentos mais românticos passaram-se à chuva, tempestades e lençóis
de água, horas em que as ruas parecem ser lavadas por milhares de mulheres a dias, os pés
provocam ondas e afundam-se em lama. Sabes que a felicidade se esconde atrás da angústia.
Sinto-te eterna e imortal e sozinha. Não te conheço, mas amo-te. Amo-te porque não te conheço.
O sinal muda e os carros tornam-se inquietos. Nunca mais te verei.
Tiago R. Santos
2 comentários:
Condução.... Trânsito....
Factores odiados por muitos contudo amados por alguns. Se a sociedade depende de meios de transporte e se passa grande daquele tempo "reservado" (em que estamos só com o EU) no meio da "confusão" da cidade e do trânsito, estamos "abertos" a encontrar a nossa alma gémea do "momento". Estamos livres naquela altura; sim, podemos estar a pensar sobre todos os problemas que nos presseguem, mas estamos sós, estamos livres.
Estamos atentos ao que nos rodeia e algo nos capta a atenção... acontece sempre... nunca o podemos ignorar....
Com o passar dos dias apercebemo-nos da frequência desse fenómeno e tentamos descobrir a resposta ao porquê que nos perssegue. Até que a desobrimos.... Única em cada um de nós como uma impressão digital, mas válida para cada índividuo!
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